O amor, as relações e o investimento noutro ser humano desempenham um papel central nos pensamentos, comportamentos e decisões humanas, sendo vistos como fatores necessários para a felicidade. Entretanto, num mundo onde a vida profissional e o quotidiano são cada vez mais intensos, testemunha-se uma transformação na natureza das relações e na forma como as pessoas experienciam o amor na sociedade contemporânea.
Segundo o sociólogo polaco Zygmunt Bauman, vivemos numa era de modernidade líquida, caracterizada pela rápida mudança social, pela falta de estruturas duradouras e pela flexibilidade das relações. Nesse contexto, as relações tendem a ser mais voláteis, descartáveis e efémeras. As pessoas são encorajadas a procurar a felicidade individual e a satisfação imediata, o que resulta em desapego emocional e em falta de compromisso a longo prazo.
Na teoria do amor líquido, Bauman argumenta que as relações amorosas se tornaram mais semelhantes às relações de consumo. O amor, assim como outros aspetos da vida moderna, tornou-se uma questão sujeita a constantes reflexões e anulações. De facto, a taxa de divórcios nunca esteve tão alta. Em Portugal, o rácio de divórcios por 100 casamentos subiu a níveis exponenciais nos últimos 20 anos, sendo que em 2020 atingiu o seu máximo (91,5 divórcios por 100 casamentos).
A instabilidade dos relacionamentos líquidos é atribuída, em parte, à facilidade de conexão e desconexão proporcionada pela tecnologia e pelas redes sociais, que reforçam a ideia de que pode sempre haver algo melhor ou alguém melhor ao virar a esquina. Esta constante "investigação" por algo mais satisfatório dificulta a formação de laços afetivos profundos e duradouros.
Claro que a diminuição do estigma relacionado aos divórcios também traz certos benefícios. Já ninguém é "obrigado" a permanecer em relações abusivas e violentas, em relações sem amor e companheirismo, por eventuais pressões sociais externas, ou pela concretização de um padrão ideal. Além disso, a ideia de amor líquido não implica que o amor verdadeiro deixa de ser uma verdade, apenas que a forma como se vive o amor, atualmente, é mais fluída e volátil. Assume-se que, muitas vezes, as prioridades e as pessoas mudam, deixando esse sentimento de ser suficiente para se manter uma relação.
A Teoria Triangular do Amor (Sternberg, 1988) descreve que os principais componentes do amor são a paixão (atração sexual e romântica), a intimidade (sentimentos de proximidade e laços emocionais) e o compromisso (implica a decisão de que existe amor e de que, a longo prazo, a relação deve continuar). De acordo com os componentes presentes na relação, determina-se o tipo de amor:
- paixão e intimidade resultam no amor romântico;
- intimidade e compromisso, no amor companheiro;
- paixão e compromisso, retratam o amor fátuo;
- e, quando os três componentes estão presentes, tem-se o amor total!
Devemos considerar que o tipo de amor pode mudar conforme a evolução da relação. É natural que, no início, a paixão seja o componente mais sobressalente e, com o decorrer do tempo, a intimidade e o compromisso ganhem maior peso. Numa relação de longo prazo, o amor companheiro tende a ser o mais prevalente.
Pode considerar-se que o amor líquido é caracterizado pela ausência do elemento do compromisso, ou pela dificuldade em lidar com as transformações do tipo do amor. Por exemplo, na atualidade, quando a intensidade da componente paixão diminui, há tendência para a procura de uma nova relação, que trará esta emoção de volta a todo fervor.
E quais as considerações que os psicólogos devem ter sobre o amor, neste período marcado por relações superficiais e por medo de vínculos duradouros?
Compreenda o contexto cultural:
- enquanto profissional de psicologia, é essencial que esteja familiarizado(a) com as características da sociedade contemporânea e respetivas influências nas relações amorosas. Isso inclui entender a fluidez dos laços afetivos, a procura pela satisfação imediata e o ênfase na individualidade. Essa compreensão contextual permite uma abordagem mais informada e sensível às questões relacionadas às relações e ao casal.
Acolha a ambiguidade emocional:
- as relações frequentemente envolvem ambiguidade emocional, incerteza e instabilidade. Os indivíduos podem vivenciar uma variedade de emoções complexas, como medo da intimidade, ansiedade em relação ao compromisso, e insegurança. Como profissional de saúde mental, deve estar preparado(a) para ajudar os pacientes a navegar esses sentimentos ambivalentes, facilitando um ambiente seguro e acolhedor para explorarem as suas emoções.
Promova a autorreflexão:
- no contexto contemporâneo, é ainda mais importante que os/as psicológos(as) auxiliem os clientes a refletir sobre os seus valores, expectativas e padrões de relacionamentos. Incentivar a autorreflexão e ajudar as pessoas a entender as suas próprias necessidades emocionais pode ser fundamental para tomar decisões conscientes e construir relações mais significativas.
Fomente a comunicação e a negociação:
- a comunicação eficaz e a capacidade de negociação são cruciais para qualquer tipo de relação. Os/as psicólogos(as) podem auxiliar os pacientes a desenvolver comeptências de comunicação assertiva, empatia e resolução de conflitos, permitindo que estes expressem as suas necessidades e desejos de forma saudável e construtiva. Isso pode ajudar a construir relações amorosas mais sólidas, apesar das pressões da sociedade moderna.
Considere os efeitos do mundo digital:
- dado o papel significativo que a tecnologia ocupa no amor na atualidade, sendo em vários cenários o meio através do qual casais se juntam, deve estar atento aos efeitos do mundo digital nas relações, como o impacto das redes sociais, apps de namoro e a disponibilidade excessiva de opções. Compreender os desafios e as oportunidades dessas interações online permite que os psicólogos ofereçam orientações relevantes e um apoio compreensivo aos seus clientes.
Promova expectativas realistas:
- o amor romântico não é perfeito. As relações amorosas também são compostas pelas dúvidas, inseguranças, receios e fragilidades daqueles que as compõem. Embora isso possa estar associado a desilusões e sofrimento, também pode favorecer a intimidade psicológica. Amar é uma escolha - a escolha de ser vulnerável e ter coragem para permanecer ao lado de alguém, compartilhando as dificuldades e fragilidades de cada um.
Se concordarmos que o mundo de hoje é dominado pelo amor líquido, os/as psicólogos(as) desempenham um papel fundamental em auxiliar os indivíduos a compreender, enfrentar e encontrar significado nas suas relações, possibilitando aos seus clientes a construção de relacionamentos mais saudáveis, autênticos e gratificantes, porque
“A vida não faz sentido sem interdependência. Precisamos uns dos outros, e quanto mais cedo aprendermos isso, melhor para todos nós" - Erik Erikson